quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Captura insólita de um peixe luciano nas Flores

Ocorrência:

Na sequência de uma tarde de caça submarina durante as férias, os caçadores-submarinos Pedro Lima e Sílvio Gonçalves, capturaram na tarde do dia 30 de julho passado, numa cavidade de uma baixa da costa da Fajã Grande das Flores, a cerca de 10-12 m de profundidade, um peixe de bom tamanho (14,84 kg de peso - Foto 1), desconhecido para todos os intervenientes. Depois de averiguações com pescadores e conhecedores locais constatou-te que se tratava de uma captura inédita. Após pesquisas na internet constataram que deveria ser um pargo-luciano, podendo tratar-se de uma primeira ocorrência nos Açores. Daí resolveram contactar-nos para obter esclarecimentos complementares.


Peixe-luciano capturado nas Flores em 30/7/2014. Foto: Pedro Lima.

Dados e identificação:

A partir das informações e fotografias enviadas foi possível inferir as dimensões e género do peixe. Era uma fêmea com 108,7 cm de comprimento total e com ovas desenvolvidas. Pela contagem das escamas, espinhos e raios das barbatanas feitas a partir das fotografias tentou-se identificar o indivíduo, recorrendo à obra de referência da FAO para estes peixes1. Não há dúvida que se tratava de um peixe do género Lutjano. Após contactos com vários especialistas (Peter Wirtz, John Randall, João Pedro Barreiros, Ronald Fricke e Pedro Afonso), o peixe encaixa bem na descrição de duas espécies: Lutjanus cyanopterus da costa oeste do Altântico e L. dentatus da costa este do Atlântico. Ambas têm características semelhantes e dentes bem desenvolvidos (Foto 2).


Foto 2- Outra perspectiva do mesmo peixe-luciano em que se vêm os dentes bem desenvolvidos. Foto: Pedro Albergaria.

Em português os peixes deste género são conhecidos oficialmente como lucianos ou castanholas (Anexo I da Portaria nº 587/2006 de 22 de junho), embora a sua semelhança com os pargos os leve também a ser conhecidos como pargos-lucianos. Esta designação poderá também dever-se ao facto de em espanhol estes peixes serem também designados por pargos. 

Informações biológicas:

Lutjanus cyanopterus é uma espécie subtropical que vive ao longo das costas orientais do continente americano (da Nova Escócia até ao Brasil, incluindo Caraíbas, Bermudas, Florida e Golfo do México) dos 18 até aos 55 m de profundidade. Podem atingir 1,6 m de comprimento e 57 kg de peso. Em termos de conservação tem o estatuto de espécie Vulnerável de acordo com a lista vermelha da IUCN. Alguns dos exemplares maiores desta espécie já provocaram envenenamentos por ciguatera. O nome comum em inglês é “cubera snapper”.
Lutjanus dentatus é uma espécie tropical e subtropical que vive ao longo das costas ocidentais de África (do Senegal até Angola, passando pelo Golfo da Guiné). Pode alcançar 1,5 m de comprimento total e 50 kg de peso. Não tem estatuto de conservação na IUCN. O nome em inglês é “African brown snapper”. Esta espécie foi muito recentemente encontrada nas Canárias2, onde já era conhecida uma outra espécie destes peixes (Lutjanus goreensis).
Ambas as espécies são predadores bentónicos que se alimentam de outros peixes e crustáceos (camarões e caranguejos). De uma forma geral os peixes desta família (Lutjanidae) têm sexos separados (dioicos) que mantém ao longo da vida (gonocorismo) e não têm dimorfismo sexual externo. A fecundação é externa e dá origem a larvas pelágicas que após 1 a 1,5 meses passam à vida bentónica em águas costeiras. São espécies de crescimento rápido que podem atingir os 20 anos de idade, tendo grande interesse comercial e para as actividades lúdico-desportivas marinhas.

Considerações finais:

Apesar de haver alguns registos de capturas de pargos-lucianos no continente português (ver Pargos lucianos Portugal, em baixo), esta ocorrência nas Flores é sem dúvida o maior exemplar encontrado em território nacional.
Como no estado adulto estes peixes não vivem em grandes profundidades, é possível que este exemplar tenha chegado às Flores na fase pelágica, crescendo posteriormente por cá. Parece menos provável que um exemplar na fase bentónica tivesse feito uma travessia oceânica para chegar às Flores.
Resta confirmar de que espécie se trata realmente, para saber de onde veio. Felizmente que ainda existem partes congeladas deste peixe luciano, para se tentar chegar à identificação por métodos genéticos.  
Este caso é um exemplo muito interessante de como uma observação invulgar feita durante uma férias pode dar origem a um problema científico posterior, que esperamos vir a conseguir resolver nos próximos tempos, provavelmente através de uma publicação científica. O conhecimento dos oceanos é assim uma tarefa que pode e deve envolver toda a comunidade.  


Referências:

 1 - Allen, G.-R.(1985). FAO Species Catalogue. Vol. 6: Snappers of the World. An Annotated and Illustrated Catalogue of Lutjanid Species Known to Date. FAO Fisheries Synopsis, 125, Vol. 6 (FIR/S125 Vol. 6). FAO, Rome. 208 pp. (acessível em: www.fao.org/docrep/009/ac481e/ac481e00.htm)
 2- García-Mederos, A. & V. Tuset (2014). First record of African brown snapper Lutjanus dentatus in the Canary Islands (north-eastern Atlantic Ocean). Marine Biodiversity Records, Vol. 7; e65; 2014, page 1 of 3 ; Published online. (doi:10.1017/S1755267214000682)

Para saber mais:

Pargos-lucianos Portugal:
   - Clube Peca Sub
    - Os Pescas 

Agradecimentos:

Agradece-se toda a informação e fotos cedidas pelos autores da captura e cedência de fotografias (Pedro Lima, Sílvio Gonçalves e Pedro Albergaria), sem as quais esta ocorrência passaria despercebida.   

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Salemão nos Açores!



Ocorrência:
No passado dia 03-09-2014, foi capturado pelo jovem pescador submarino Cárin Almeida, pela hora de almoço, perto da zona balnear da Fajã Grande em São Jorge, um espécime de “rainbow runner” (Figura 1) ou como é conhecido em português – Salemão (Elagatis bipinnulata). Infelizmente não foi possível saber as suas dimensões e peso exactos, mas estima-se que tinha aproximadamente 30 cm de comprimento total.

Figura 1- Espécime capturado no dia 03/09/2014 (Fotografia cedida por Cárin Almeida).
Registos anteriores:
O salemão foi descrito pela primeira vez para os Açores desde de 19931 sendo mais tarde reconfirmada a sua presença em 19952. Apesar deste peixe pelágico habitar as zonas tropicais e subtropicais de todos os oceanos3, é um peixe cuja ocorrência é rara no nosso arquipélago.

Curiosidades:
O salemão pertence à família Carangidae da qual fazem parte os Lírios. Apesar de apresentar um comportamento semelhante (aproximando-se dos mergulhadores sem apresentar muito receio), tem uma morfologia que o distingue dos restantes membros da mesma família, que apresentam em geral um corpo longo e comprimido lateralmente, enquanto que o salemão possui um corpo ligeiramente cilíndrico, quase fusiforme (característico dos atuns)4. Apresenta uma tonalidade característica (Figura 2) que facilita a sua identificação e que valeu o nome em inglês de “rainbow runner”. Tem o dorso azul desvanecendo para um verde até se tornar branco em baixo. Apresentam também duas linhas longitudinais finas de cor azul brilhante nos lados do corpo e entre elas uma faixa mais espessa de cor amarela ou esverdeada. Normalmente é avistado em grandes cardumes, mas por vezes encontram-se indivíduos solitários como foi o caso desta captura.

Figura 2- Salemão, Elagatis bipinnulata. Fonte: John E. Randall / EOL. License: CC BY Attribution-Noncommercial


Referências:
1.    ICN 1993. Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Vol. III. Peixes marinhos e Estuarinos. Instituto da Conservação da Natureza, Lisboa. 146 PP.
2.    Azevedo, J. M., Heemstra, P. C. 1995. "New records of marine fishes from the Azores". Arquipélago. Life and Marine Sciences 13 (A): 1–10.
4.    Gunn, John S. 1990. "A revision of selected genera of the family Carangidae (Pisces) from Australian waters". Records of the Australian Museum Supplement 12: 1–78. doi:10.3853/j.0812-7387.12.1990.92

Para saber mais: