No último inverno foram encontrados na costa da ilha do
Faial, 4 polvos-malhados, pelo mergulhador José Luís Piedade, que é sem dúvida
o recordista em encontros com esta espécie nos Açores (tabela 1). Estes
exemplares foram apanhados à mão em apneia e entregues no Aquário de Porto Pim.
Os 2 que apanhou em novembro passado (foto 1) apresentavam um comportamento de
aparente confrontação, ou provavelmente de acasalamento, dado que o exemplar
mais pequeno poderia ser uma fêmea. A fêmea encontrada em dezembro passado trazia
uma caranguejola (Dromia marmorea) presa
nos braços.
Foto 1 - Par de polvos-malhados (Callistoctopus macropus) encontrados em 4/11/2014 no Varadouro, Faial, pelo mergulhador José Luis Piedade. Autor: Gonçalo Graça. |
Esta espécie de polvo, que é facilmente identificada pelo seu padrão cromático alaranjado-avermelhado com manchas brancas (foto 2), é também conhecida pelos pescadores pelo nome de polvo-bravo, em virtude das características afrodisíacas que lhe são atribuídas, ou ainda por polvo-ladrão.
Foto 2 - Polvo-malhado (Callistoctopus macropus) com o característico padrão cromático, fotografado em 15/11/1998 Porto Pim, Faial. Autor: Jorge Fontes/ImagDOP. |
Aspetos da taxonomia e biologia:
Até 2005 os polvos-malhados tinham o nome científico de Octopus macropus, mas a partir dessa
altura passaram a designar-se por Callistoctopus
macropus, em virtude duma revisão taxonómica1, que passou este
tipo de espécies para outro género. Ambos os géneros têm duas fiadas de
ventosas nos braços, presença de glândula da tinta, o braço reprodutor
(hectocótilo) é o 3º da direita, que é mais curto que o seu par, mas diferem
noutros aspetos.
Em Octopus, o
padrão cromático é mosqueado, o número de filamentos branquiais externos é
menor (6 a 11), os braços têm um comprimento moderado (3 a 5 vezes o
comprimento do manto), os braços dorsais (1º par) são os mais curtos de todos, nos
machos há ventosas que são muito maiores que as restantes e a lígula
(extremidade) é curta (1,2 a 2,1% do comprimento do hectocótilo).
Nos Callistoctopus,
o padrão cromático é avermelhado acastanhado, exibindo, quando incomodado, as características
manchas brancas, há maior número de filamentos branquiais externos (10 a 15), os braços são muito longos
comparativamente ao manto (5 a 8 vezes), os braços dorsais (1º par) são os mais
longos e espessos, as ventosas são sempre proporcionais e a lígula é maior (4,5
a 8% do comprimento do hectocótilo)2.
Ambos os géneros (Octopus
e Callistoctopus) têm em comum o
facto de as fêmeas fazerem posturas dos ovos em esconderijos rochosos,
pendurando os “cachos” de ovos ao teto e cuidando deles (limpeza e ventilação)
até à eclosão das larvas, não se alimentando durante esse período, no final do
qual acabam por perecer. As larvas são pequenas e têm vida pelágica,
dispersando-se por esta via durante várias semanas até darem origem a novos
juvenis que vivem sobre o fundo.
A nível mundial são conhecidas atualmente perto de uma dúzia
de espécies de polvos-malhados (Callistoctopus),
com o característico padrão cromático, a maioria da região do Indo-Pacífico, muitas
delas ainda não estão completamente descritas.
Registos anteriores nos Açores:
Embora esta espécie de polvos tenha sido assinalada nos
Açores em meados do séc. XIX3 (tabela 2), o primeiro registo de um
indivíduo data de 18874,5. A ocorrência desta espécie é esporádica,
passando-se vários anos sem que sejam registados. Todos estes exemplares foram
encontrados a baixas profundidades com exceção de um exemplar apanhado a maior
profundidade numa armadilha6.Em 1991 foram descritas as ocorrências
de 3 indivíduos apanhados em anos anteriores7,8. Posteriormente,
foram registadas novas ocorrências, seja por apanha (tabela 1) ou simples
avistamentos (tabela 2).
Tabela 1 – Exemplares de polvos-malhados (Callistoctopus macropus) registados nos
Açores.
Data
captura
|
Local
|
Profun-didade
(m)
|
Apanhador
|
CDM
(cm)
|
Peso
húmido (g)
|
Sexo
|
Obs.
|
1887
|
Costa ilha S. Miguel
|
-
|
Exemplar oferecido ao Museu de Lisboa
por Carlos Maria Gomes Machado e identificado como Octopus Cuvieri
|
-
|
-
|
-
|
Girad (1890, 1892)
|
13-14/8/1888
|
Canal Faial Pico
|
129
|
4,0
|
-
|
M
|
Identificado como Octopus macropus por Joubin (1895)
|
|
30/08/1984
|
Ribeirinha - Faial
|
<10
|
7,5
|
81
|
5642 – Gonçalves (1991)
|
||
Abril 1989
|
Caloura – S. Miguel
|
<10
|
7,2
|
263
|
Gonçalves (1991)
|
||
07/03/1991
|
St. Cruz das Flores
|
<10
|
10,3
|
F
|
Gonçalves (1991)
|
||
19/3/1991
|
Ilha Flores
|
8,0
|
238
|
DOP-5437
|
|||
12/11/1998
|
Cais Boqueirão St Cruz das Flores
|
1,5
|
António Manes
|
11,5
|
314
|
F
|
DOP-9380
Fotos ImagDOPS395 de 15/11/98
|
25/02/1999
|
Varadouro, Faial
|
2-3
|
José Luís Piedade
|
15,3
|
795
|
F
|
DOP-9379
|
25/03/1999
|
Varadouro, Faial
|
15
|
José Luís Piedade
|
12
|
404
|
F
|
DOP-9298
|
22/08/2000
|
Cais de S. Fernando, Porto Martins, Terceira
|
~1
|
Áthila Andrade
|
7,7
|
128
|
F-II
|
Pesca à cana à noite.
|
11/01/2001
|
Pasteleiro - Faial
|
12
|
José Luís Piedade
|
11,5
|
495
|
M-III
|
DOP-5533
|
Agosto 2002
|
Varadouro, Faial
|
~2-3
|
Gilberto Carreira
|
Pesca à cana à noite - libertado
|
|||
04/11/2014
|
Baía do Varadouro, Faial
|
10
10
|
José Luís Piedade
|
9,0
7,5
|
405
292
|
M
F?
|
Aquário Porto Pim
|
15/12/2014
|
Baía do Varadouro, Faial
|
10
|
José Luís Piedade
|
11
|
479
|
F
|
Aquário Porto Pim
|
15/02/2015
|
Porto da Ribeirinha, Faial
|
10
|
José Luís Piedade
|
11,5
|
521
|
F
|
Aquário Porto Pim
|
Considerações finais:
É de esperar que com o aumento do mergulho turístico esta espécie passe a ser mais avistada nas costas dos Açores em virtude de ser uma espécie que dificilmente passa despercebida, quando exibe o seu típico padrão cromático malhado.
Curiosamente a ocorrência desta espécie nos Açores tem passado despercebida na documentação técnica. Mesmo nas revisões mais recentes2 consideram que esta espécie (Callistoctopus macropus) vive no Mediterrâneo e costa nordeste do Atlântico (NW de África) com algumas presenças na costa americana e Caraíbas, sem mencionar a sua ocorrência nos Açores. Segundo outras fontes9, trata-se de um complexo de espécies externamente muito semelhantes, mas a verdadeira identidade das populações americanas precisa de ser esclarecida.
Assim, será curioso saber se estes polvos dos Açores têm mais afinidades com os polvos-malhados do Atlântico NE (C. macropus),ou com as populações da costa NE americana e Caraíbas.
Tabela 2 – Outras observações e avistamentos de
polvos-malhados (Callistoctopus macropus)
nos
Açores
Açores
Data
observação
|
Local
|
Profundidade
(m)
|
Observador
|
Obs.
|
Meados séc. XIX
|
-
|
-
|
-
|
Referido como Octopus Cuvieri por Drouët (1858)
|
Setembro 1998
|
Cais da Caloura, S. Miguel
|
~2
|
Peter Wirtz
mergulho noturno
|
Foto PW ImagDOP (D2130)
|
18/12/1998
|
Poças Porto Velho, St. Cruz das Flores
|
0,5
|
António Manes, mergulho diurno
|
Avistamento, polvo com ~12,5 cm CDM
|
Agosto 1999
|
Varadouro, Faial
|
Peter Wirtz
mergulho noturno
|
Foto PW ImagDOP (D4159)
|
|
2ª quinzena de agosto 2000
|
Piscina das Velas, São Jorge
|
~2
|
Peter Wirtz – mergulho noturno
|
3-4 indivíduos avistados (foto PW
ImagDOP S456)
|
Referências:
1 - Norman M.D. & Hochberg F.G. (2005). The current state of
Octopus taxonomy. Phuket Marine
Biological Center Research Bulletin, 66:
127–154.
2. Jereb, P., C.F.E. Roper, M.D. Norman & J.K. Finn (2014). Cephalopods of the World. An
Annotated and Illustrated Catalogue of Cephalopod Species Known to Date. Vol.
3: Octopods and Vampire Squids. FAO Species Catalogue for Fishery Purposes, No.
4. (FIR/Cat. 4/3). FAO, Rome. 382 pp.
3- Droët, H., 1858. Molusques
Marins des Îles Açores. Extrait des
Mémoires de la Société Académique de l´Aube, XXII: 53 pp+II pl. (Libraire
Chez Baillière, Paris)
4- Girard, A.A., 1890. Revision
des Mollusques du Museum de Lisbonne. 1. Céphalopodes. Journal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, (Series
2), 4: 233-268, 1 pl.
5- Girard, A.A., 1892. Les
céphalopodes des Îles Açores et de l´Île de Madère. Journal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, (Series
2), 2: 210-220.
6. Joubin, L. (1895). Remarques
sur les céphalopodes des Iles Açores. In: Contribuition à l´étude des
céphalopodes de l´Atlantique Nord. Résultats des Campagnes Scientifiques Accoplies sur
son Yacht par Albert Ière, Prince Souverain du Monaco, 17: 135 pp.
7. Gonçalves, J.M. (1991). The Octopoda (Mollusca:
Cephalopoda) of the Azores. Arquipélago,
Life & Earth Sciences, 9: 75-81.
8. Gonçalves, J.M. (1993). The
Octopus vulgaris Cuvier, 1797
(polvo-cornurn): Sinopse da biologia e exploração. Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Cientifica (equipáveis a
Mestrado). Universidade dos
Açores. 470 pp.
9. Norman, M. (2000). Cephalopods – A World Guide. Octopuses, Argonauts, Cuttefish,
Squid, and Nautilus. ConchBooks, Publ., Hackenheim, Germany. 320 pp.
Para saber mais:
Agradecimentos:
Ao José Luís Piedade pode nos manter atualizado sobre as
suas observações no mar. À equipa do Aquário de Porto Pim (Rui Guedes, Gonçalo
Graça, António Godinho, Luís Silva). A Paula Lourinho e Gilberto Carreira pela
pesquisa de dados e fotos desta espécie de polvo. Ao Manuel Enes pela localização de exemplares conservados na coleção biológica.