sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Boca-negra recapturado 13 anos depois de ter sido marcado!

No dia 3 de Outubro recebi de uma colega de S. Miguel um mail com informação de vários peixes capturados com marca. Entre estes destacava-se um Boca-negra (Helicolenus dactylopterus dactylopterus) que esteve marcado durante 13 anos. Este peixe, com a marca T-1-0725, foi marcado e recapturado no Banco Princesa Alice e durante este tempo cresceu 15 cm de comprimento total. O Mestre Pedro Moniz da embarcação “O Aresta” que capturou este exemplar aos 495 m de profundidade, recebeu como recompensa uma t-shirt do “Programa de Marcação de Peixes dos Açores”.

Fig. 1 - Fotografia de um boca-negra marcado (marca assinalada com um círculo vermelho).
 
Curiosidade: O “Programa de Marcação de Peixes dos Açores” do DOP decorre desde o ano 1999 e já marcou até hoje mais de 22000 indivíduos de várias espécies. As espécies mais marcadas são o Goraz (Pagellus bogaraveo) e o Boca-negra (Helicolenus dactylopterus dactylopterus). Este programa utiliza marcas amarelas numeradas (tipo “esparguete”) e de diferentes tamanhos. Estes estudos de marcação e recaptura são muito importantes para melhorar o conhecimento dos movimentos das espécies, assim como a sua taxa de crescimento ao longo do tempo.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Maré “vermelha” na Lagoa St. Cristo – S. Jorge!

No passado dia 2 de setembro ocorreu uma maré vermelha na Lagoa de St. Cristo. O evento (Fig. 1) foi registado pelos serviços do Parque Natural da Ilha de S. Jorge (PNISJ – biólogo Rui Sequeira), depois de ter sido alertado do fenómeno por moradores locais. Para além da coloração anormal da água, que neste caso era mais amarelada do que propriamente vermelha, ocorreu também mortalidade de peixes, sobretudo de tainhas (Chelon labrosus).

Fig. 1 - Fotografia da Lagoa da Fajã de St Cristo no dia 2/9/2013, podendo-se ver a mancha amarelada-acastanhada na água. Autor: Rui Sequeira - PNISJ.

Dada a invulgaridade deste tipo de fenómenos nos Açores, o PNISJ procedeu à recolha de amostras de água e de peixes mortos. Inicialmente estas amostras foram enviadas para o DOP onde se constatou a presença de pequenos dinoflagelados nas amostras de água. Aqui as amostras foram preservadas e enviadas posteriormente para Lisboa (Vanda Carmo), para o laboratório marinho do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera), onde as biólogas Mariana Santos e Teresa Moita, especialistas em microalgas, acabaram por identificar e quantificar o agente causador desta maré. Tratou-se do dinoflagelado Alexandrium minutum (Fig. 2), que ocorreu em grande concentração nas amostras recolhidas (1,26 x 10celulas.L-1 ). Tanto quanto se sabe trata-se da primeira maré vermelha registada nos Açores.
Informado do potencial tóxico desta espécie o Governo Regional dos Açores (Secretaria Regional dos Recursos Naturais), decretou a proibição temporária do consumo de amêijoas na Lagoa de St. Cristo (Portaria nº 68/2013).

Fig. 2 - Fotografia ao miscroscópico ótico do dinoflagelado Alexandrim minutum. Autor: Mariana Santos - IPMA.

Consequências:
Posteriormente soube-se que houve alguns casos de queixas registadas na Unidade de Saúde de S. Jorge, associados a este fenómeno, provavelmente originados pela toxina PSP (“Paralytic Shellfish Poisoning) que este dinoflagelado produz quando ocorre em grandes concentrações. As pessoas afetadas tinham consumido as famosas amêijoas da lagoa de St. Cristo (Venerupis decussata) ou simplesmente ingerido água acidentalmente durante os banhos na lagoa. Apresentaram sintomas de dormência dos membros e tonturas, que se prolongou por alguns dias.
O fenómeno que tinha evoluído durante os dias quentes de final de agosto e sem grandes ventos, acabou por dissipar-se de forma natural nos dias seguintes, assim que as condições de meteorológicas se modificaram.

Ocorrências:
Esta espécie de dinoflagelado ocorre naturalmente na zona costeira de vários mares (Mediterrâneo, Mar Adriático) e oceanos (Atlântico Norte, Sul, Índico e Pacífico), incluindo a costa continental portuguesa. Quando ocorre em grandes concentrações tem provocado marés vermelhas tóxicas em várias zonas  do mundo (sul da Austrália, Nova Zelândia, Taiwan; França - Mediterrâneo). 

Considerações finais:

A divulgação científica desta ocorrência invulgar nos Açores será feita através de uma comunicação no XII Reunión Ibérica sobre Microalgas Nocivas e Biotoxinas” que vai decorrer nos dias 17 e 18 do corrente mês, em Palma de Maiorca.

Para saber mais:
- Alexandrium minutum - Marine Species Identification Portal;
- Anderson, M., 1998. NATO ASI Series, 41: 29-48.


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Mais um polvo “com acne” (Ocythoe tuberculata)!

No passado dia 4/6/2013 à noite (22h) foi capturado, pelo Mestre João Lima da embarcação “Baía da Maia”, próximo da costa da ilha de Santa Maria (36º 56.435 N; 25º 06,869 W; cerca 40-50 m profundidade), com linha de mão e anzol, um exemplar de polvo pouco comum, com 3,6 kg, a que chamaram “polvo do alto”. Com esta designação seria uma ocorrência invulgar nos Açores, já que este nome comum corresponde ao polvo Eledone cirrhosa, que nunca foi encontrado nos Açores (espécie que só tem uma fiada de ventosas nos braços). O exemplar foi congelado e enviado para o DOP (Horta), através do Sr. Bruno Rodrigues da Lotaçor, E.P. Contudo, pelas fotografias enviadas foi possível identificá-lo como um polvo de ventre rugoso (devido aos tubérculos que têm na zona ventral – Foto 1), correspondendo ao nome científico Ocythoe tuberculata.

Foto 1. Fotografia da zona ventral do manto do exemplar observado, podendo-se ver a característica cor dourada-alaranjada e os tubérculos cutâneos (“tipo borbulhas”).
Curiosidades da espécie:
Esta espécie de polvo tem um grande dimorfismo sexual, podendo as fêmeas atingir cerca de 31 cm de comprimento de manto, enquanto os machos são extremamente pequenos – anões (até cerca de 3 cm). É também das únicas espécies de polvo que possui uma verdadeira bexiga-natatória, permitindo assim uma flutuabilidade neutra. Mais interessante ainda, estes organismos são os únicos cefalópodes conhecidos que dão à “luz” filhotes vivos, ou seja eclodem internamente.

Dados do exemplar:
Só no dia 7 deste mês foi possível dar atenção ao exemplar, tendo sido feita a sua biometria e identificação (João M. Gonçalves e Mónica Silva).
Confirmou-se que se trata de uma fêmea grande de Ocythoe tuberculata (Foto 1). A zona dorsal do corpo (manto e braços) tem uma cor púrpura, que é mais evidente nos indivíduos vivos (Foto 2). Tinha um peso húmido (após descongelação) de 3,37 kg, apresentando vários braços em regeneração. 


Foto 2. Fotografia da zona dorsal do manto (muito lisa).

Biometria geral:
Manto (medidas em cm):
·                 - Comprimento máximo dorsal: 27,5                    - Largura máx. dorsal: 20,0
- Largura máxima da cabeça (entre olhos): 12,0
·                - Comprimento ventral:  24,0                                - Abertura máx. manto: 18,0
·               - Comprimento máx. do funil:  11,5                       - Largura funil (extremidade): 3,0

        Braços e ventosas:
Nesta espécie os braços dorsais são os mais robustos e os que têm ventosas maiores, em duas fiadas (Foto 3).

Comprimentos (medidas em cm):
E1: 11,0*
D1: 45,0*
E2: 20,0*
D2: 35,0*
E3: 35,0*
D3: 38,0
E4: 17,0 *
D4: 45,5
E– Esquerdo; D – Direito; 1 – dorsal; 4 – ventral; *-braços incompletos, em regeneração.

Espessura (medidas em mm):
E1: 26,6
D1: 23,1
E2: 23,7
D2: 23,1
E3: 18,5
D3: 17,6
E4: 20,4
D4: 20,4
E– Esquerdo; D – Direito; 1 – dorsal; 4 – ventral.

Ventosas maiores nos braços dorsais – par 1 (medidas em mm):

Posição na ventosa no braço (contadas a partir da boca)

8ª:
9ª:
10º:
11ª:
12ª
13ª:
E1
13,1
11,4
12,5
13,6
14,1
14,0
D1
12,3
12,5
13,9
12,6
13,1
14,0
E– Esquerdo; D – Direito.
Foto 3- Evidência de braços dorsais mais robustos e com ventosas maiores (neste caso são os de baixo por o exemplar estar com o ventre para cima).

Estado de maturação:

Esta fêmea estava num estado de maturação avançado, sendo o ovário um dos maiores órgãos presentes (Foto 4). 


Foto 4- Observação da parte interna da fêmea de O. tuberculata (após incisão longitudinal e lateral do manto), podendo-se distinguir o ovário (órgão mais posterior com dois tons de branco) e os pequenos ovos.

Ocorrências anteriores:
A última ocorrência de O. tuberculata nos Açores foi registada em 13/5/2012 pelo que este será o 7º caso conhecido na região, e o maior até agora aqui encontrado. Curiosamente é o primeiro que é registado mais longe da ilha do Faial(1).
Contudo, não constituiu um recorde para a espécie, dado que há registos maiores para outras zonas (Mediterrâneo: 4 e 5 kg)(2).

Destino:
Para além das fotografias, foram tiradas 3 amostras de músculo do manto para análises. Por fim o exemplar foi preservado em formol a 10%, para ser posteriormente integrado na coleção de referência do DOP. 

Referências:
(1) Gonçalves, J. M., 1991. The Octopoda of the Azores. Arquipélago, Life and Earth Sciences, 9:75-81.
(2) Slaman, A. & Akalin, M., 2012. A Rare Pelagic Cephalopod Ocythoe tuberculata (Octopoda: Argonautoidea): The Record Fecundity for Octopoda and New Data on Morphometry. Turkish Journal of Fisheries and aquatic Sciences, 12: 339-344.