quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Mais um polvo “com acne” (Ocythoe tuberculata)!

No passado dia 4/6/2013 à noite (22h) foi capturado, pelo Mestre João Lima da embarcação “Baía da Maia”, próximo da costa da ilha de Santa Maria (36º 56.435 N; 25º 06,869 W; cerca 40-50 m profundidade), com linha de mão e anzol, um exemplar de polvo pouco comum, com 3,6 kg, a que chamaram “polvo do alto”. Com esta designação seria uma ocorrência invulgar nos Açores, já que este nome comum corresponde ao polvo Eledone cirrhosa, que nunca foi encontrado nos Açores (espécie que só tem uma fiada de ventosas nos braços). O exemplar foi congelado e enviado para o DOP (Horta), através do Sr. Bruno Rodrigues da Lotaçor, E.P. Contudo, pelas fotografias enviadas foi possível identificá-lo como um polvo de ventre rugoso (devido aos tubérculos que têm na zona ventral – Foto 1), correspondendo ao nome científico Ocythoe tuberculata.

Foto 1. Fotografia da zona ventral do manto do exemplar observado, podendo-se ver a característica cor dourada-alaranjada e os tubérculos cutâneos (“tipo borbulhas”).
Curiosidades da espécie:
Esta espécie de polvo tem um grande dimorfismo sexual, podendo as fêmeas atingir cerca de 31 cm de comprimento de manto, enquanto os machos são extremamente pequenos – anões (até cerca de 3 cm). É também das únicas espécies de polvo que possui uma verdadeira bexiga-natatória, permitindo assim uma flutuabilidade neutra. Mais interessante ainda, estes organismos são os únicos cefalópodes conhecidos que dão à “luz” filhotes vivos, ou seja eclodem internamente.

Dados do exemplar:
Só no dia 7 deste mês foi possível dar atenção ao exemplar, tendo sido feita a sua biometria e identificação (João M. Gonçalves e Mónica Silva).
Confirmou-se que se trata de uma fêmea grande de Ocythoe tuberculata (Foto 1). A zona dorsal do corpo (manto e braços) tem uma cor púrpura, que é mais evidente nos indivíduos vivos (Foto 2). Tinha um peso húmido (após descongelação) de 3,37 kg, apresentando vários braços em regeneração. 


Foto 2. Fotografia da zona dorsal do manto (muito lisa).

Biometria geral:
Manto (medidas em cm):
·                 - Comprimento máximo dorsal: 27,5                    - Largura máx. dorsal: 20,0
- Largura máxima da cabeça (entre olhos): 12,0
·                - Comprimento ventral:  24,0                                - Abertura máx. manto: 18,0
·               - Comprimento máx. do funil:  11,5                       - Largura funil (extremidade): 3,0

        Braços e ventosas:
Nesta espécie os braços dorsais são os mais robustos e os que têm ventosas maiores, em duas fiadas (Foto 3).

Comprimentos (medidas em cm):
E1: 11,0*
D1: 45,0*
E2: 20,0*
D2: 35,0*
E3: 35,0*
D3: 38,0
E4: 17,0 *
D4: 45,5
E– Esquerdo; D – Direito; 1 – dorsal; 4 – ventral; *-braços incompletos, em regeneração.

Espessura (medidas em mm):
E1: 26,6
D1: 23,1
E2: 23,7
D2: 23,1
E3: 18,5
D3: 17,6
E4: 20,4
D4: 20,4
E– Esquerdo; D – Direito; 1 – dorsal; 4 – ventral.

Ventosas maiores nos braços dorsais – par 1 (medidas em mm):

Posição na ventosa no braço (contadas a partir da boca)

8ª:
9ª:
10º:
11ª:
12ª
13ª:
E1
13,1
11,4
12,5
13,6
14,1
14,0
D1
12,3
12,5
13,9
12,6
13,1
14,0
E– Esquerdo; D – Direito.
Foto 3- Evidência de braços dorsais mais robustos e com ventosas maiores (neste caso são os de baixo por o exemplar estar com o ventre para cima).

Estado de maturação:

Esta fêmea estava num estado de maturação avançado, sendo o ovário um dos maiores órgãos presentes (Foto 4). 


Foto 4- Observação da parte interna da fêmea de O. tuberculata (após incisão longitudinal e lateral do manto), podendo-se distinguir o ovário (órgão mais posterior com dois tons de branco) e os pequenos ovos.

Ocorrências anteriores:
A última ocorrência de O. tuberculata nos Açores foi registada em 13/5/2012 pelo que este será o 7º caso conhecido na região, e o maior até agora aqui encontrado. Curiosamente é o primeiro que é registado mais longe da ilha do Faial(1).
Contudo, não constituiu um recorde para a espécie, dado que há registos maiores para outras zonas (Mediterrâneo: 4 e 5 kg)(2).

Destino:
Para além das fotografias, foram tiradas 3 amostras de músculo do manto para análises. Por fim o exemplar foi preservado em formol a 10%, para ser posteriormente integrado na coleção de referência do DOP. 

Referências:
(1) Gonçalves, J. M., 1991. The Octopoda of the Azores. Arquipélago, Life and Earth Sciences, 9:75-81.
(2) Slaman, A. & Akalin, M., 2012. A Rare Pelagic Cephalopod Ocythoe tuberculata (Octopoda: Argonautoidea): The Record Fecundity for Octopoda and New Data on Morphometry. Turkish Journal of Fisheries and aquatic Sciences, 12: 339-344. 

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