Ocorrência:
Na sequência de uma tarde de caça submarina durante as férias, os caçadores-submarinos Pedro Lima e Sílvio Gonçalves, capturaram na tarde do dia 30 de julho
passado, numa cavidade de uma baixa da costa da Fajã Grande das Flores, a cerca
de 10-12 m de profundidade, um peixe de bom tamanho (14,84 kg de peso - Foto 1), desconhecido
para todos os intervenientes. Depois de averiguações com pescadores e
conhecedores locais constatou-te que se tratava de uma captura inédita. Após
pesquisas na internet constataram que deveria ser um pargo-luciano, podendo
tratar-se de uma primeira ocorrência nos Açores. Daí resolveram contactar-nos
para obter esclarecimentos complementares.
Peixe-luciano capturado nas Flores em 30/7/2014. Foto: Pedro Lima. |
Dados e identificação:
A partir das informações
e fotografias enviadas foi possível inferir as dimensões e género do peixe. Era
uma fêmea com 108,7 cm de comprimento total e com ovas desenvolvidas. Pela
contagem das escamas, espinhos e raios das barbatanas feitas a partir das
fotografias tentou-se identificar o indivíduo, recorrendo à obra de referência da
FAO para estes peixes1. Não há dúvida que se tratava de um peixe
do género Lutjano. Após contactos com
vários especialistas (Peter Wirtz, John Randall, João Pedro Barreiros, Ronald
Fricke e Pedro Afonso), o peixe encaixa bem na descrição de duas espécies: Lutjanus cyanopterus da costa oeste do
Altântico e L. dentatus da costa este
do Atlântico. Ambas têm características semelhantes e dentes bem desenvolvidos (Foto 2).
Foto 2- Outra perspectiva do mesmo peixe-luciano em que se vêm os dentes bem desenvolvidos. Foto: Pedro Albergaria. |
Em português os peixes
deste género são conhecidos oficialmente como lucianos ou castanholas (Anexo I da Portaria
nº 587/2006 de 22 de junho), embora a sua semelhança com os pargos os leve
também a ser conhecidos como pargos-lucianos. Esta designação poderá também
dever-se ao facto de em espanhol estes peixes serem também designados por
pargos.
Informações biológicas:
Lutjanus cyanopterus é uma espécie subtropical que vive ao longo das
costas orientais do continente americano (da Nova Escócia até ao Brasil,
incluindo Caraíbas, Bermudas, Florida e Golfo do México) dos 18 até aos 55 m de
profundidade. Podem atingir 1,6 m de comprimento e 57 kg de peso. Em termos de
conservação tem o estatuto de espécie Vulnerável de acordo com a lista vermelha
da IUCN. Alguns dos exemplares maiores desta espécie já provocaram
envenenamentos por ciguatera. O nome comum em inglês é “cubera snapper”.
Lutjanus dentatus é uma espécie tropical e subtropical que vive ao
longo das costas ocidentais de África (do Senegal até Angola, passando pelo
Golfo da Guiné). Pode alcançar 1,5 m de comprimento total e 50 kg de peso. Não
tem estatuto de conservação na IUCN. O nome em inglês é “African brown
snapper”. Esta espécie foi muito recentemente encontrada nas Canárias2, onde já era conhecida uma outra espécie
destes peixes (Lutjanus goreensis).
Ambas as espécies são
predadores bentónicos que se alimentam de outros peixes e crustáceos (camarões
e caranguejos). De uma forma geral os peixes desta família (Lutjanidae) têm
sexos separados (dioicos) que mantém ao longo da vida (gonocorismo) e não têm
dimorfismo sexual externo. A fecundação é externa e dá origem a larvas
pelágicas que após 1 a 1,5 meses passam à vida bentónica em águas costeiras.
São espécies de crescimento rápido que podem atingir os 20 anos de idade, tendo
grande interesse comercial e para as actividades lúdico-desportivas marinhas.
Considerações finais:
Apesar de haver alguns
registos de capturas de pargos-lucianos no continente português (ver Pargos lucianos Portugal, em baixo), esta ocorrência nas Flores é sem dúvida o maior exemplar encontrado
em território nacional.
Como no estado adulto
estes peixes não vivem em grandes profundidades, é possível que este exemplar
tenha chegado às Flores na fase pelágica, crescendo posteriormente por cá. Parece
menos provável que um exemplar na fase bentónica tivesse feito uma travessia oceânica
para chegar às Flores.
Resta confirmar de que
espécie se trata realmente, para saber de onde veio. Felizmente que ainda
existem partes congeladas deste peixe luciano, para se tentar chegar à identificação
por métodos genéticos.
Este caso é um exemplo
muito interessante de como uma observação invulgar feita durante uma férias
pode dar origem a um problema científico posterior, que esperamos vir a
conseguir resolver nos próximos tempos, provavelmente através de uma publicação científica. O conhecimento dos oceanos é assim uma
tarefa que pode e deve envolver toda a comunidade.
Referências:
1 - Allen,
G.-R.(1985). FAO Species Catalogue. Vol. 6: Snappers of the World. An Annotated
and Illustrated Catalogue of Lutjanid Species Known to Date. FAO Fisheries
Synopsis, 125, Vol. 6 (FIR/S125 Vol. 6). FAO, Rome. 208 pp. (acessível em: www.fao.org/docrep/009/ac481e/ac481e00.htm)
2- García-Mederos, A. &
V. Tuset (2014). First
record of African brown snapper Lutjanus
dentatus in the Canary Islands (north-eastern Atlantic Ocean). Marine Biodiversity Records, Vol. 7;
e65; 2014, page 1 of 3 ; Published online. (doi:10.1017/S1755267214000682)
Para saber mais:
Agradecimentos:
Agradece-se toda a informação e fotos cedidas pelos autores da captura e cedência de fotografias (Pedro Lima, Sílvio Gonçalves e Pedro Albergaria), sem as quais esta ocorrência passaria despercebida.